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Crônica #3: Decisões viscerais

Writer: universocotidiano1universocotidiano1


Ler o texto de José Falero foi como clicar em um hiperlink. Me deixou pensando. Li “Entre as tripas e a razão” presente na antologia Ócios no ofício. Nele, Falero lembrava da entrevista do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica para Pedro Bial. Esse foi o primeiro hiperlink. Assisti à entrevista na íntegra esperando a parte em que ele mencionava sobre as decisões que tomamos com as tripas. Ao falar sobre poesia, Mujica disse que nós, humanos, nos achamos muito racionais, porém, às vezes parece que as tripas decidem e que depois, a razão encontra maneiras para justificar nossas ações. Falero, em seu texto, diz que depois de assistir a essa entrevista, ficou pensando em ações que pareciam serem tomadas no impulso, na raiva, o momento que as tripas, as vísceras, o rancor talvez, tomam as decisões. Assim como Falero descreveu um momento em que suas tripas falaram e sua razão depois justificou, eu também fiquei pensando nesse tema.

Muitas vezes minhas tripas foram mais rápidas e tomaram as decisões. E muitas vezes, as tripas de outras pessoas tomaram as rédeas das conversas e eu escutei o que não queria. Fiquei então tentando lembrar de um momento em que eu controlei as tripas. Estava tentando fazer o exercício inverso. Será que eu controlei as tripas? Será que eu consegui fazer com que minhas emoções não liderassem as minhas ações ? Será que consegui não falar o que, em um momento de raiva, de emoção visceral, talvez fosse o mais óbvio? É sempre mais difícil pensar quando nós controlamos essas emoções porque reprimi-las também faz um mal danado. Esse foi meu segundo link. Não conseguia pensar em nada, mesmo sabendo que, como qualquer pessoa, já agi por impulso muitas vezes.

Fiquei nesse dilema até que lembrei que um dia, em 2019, passando por uma rua onde ocorria uma feirinha de artesanato, avistei uma passeata com algumas pessoas carregando as bandeiras do Brasil, gritando e falando alguns palavrões. Eu dei espaço para elas passassem, mas fiquei ao lado, assistindo a passagem delas. Havia ao menos sessenta pessoas. Muitos daqueles que assistiam decidiram se juntar e acompanhar a multidão e outras pessoas, as vaiaram. Eu segui o momento e também os vaiei. Meus olhos encontraram os de uma senhora e ela, muito alterada, saiu do percurso e me disse pra eu voltar para a Venezuela. Eu ri de desespero e dei um passo para trás. Ela colocou o dedo no meu nariz e eu disse para ela se afastar. Essa interação deve ter demorado uns vinte segundos mas meu coração, que batia muito forte, fazia meu corpo imaginar que estávamos ali há horas. Meu corpo gelou, não sabia o que fazer para me defender e ao mesmo tempo, torcia para que ela não batesse em mim.

Não ataquei, mas sim, gritei um “vá a senhora” e me senti péssima por isso. Alguém a chamou e ela me mandou ir pra Cuba, não lembro. Durante a interação, eu só lembrava que uma parte de mim dizia para eu não falar, não discutir. Nesse momento, as minhas tripas não tomaram a decisão de revidar, ou talvez elas tenham sim tomado a decisão de não continuar com aquela discussão que nada trouxe, além de raiva, mal estar e arrependimento.



Desenho: Encontro visceral (2021), by Vera Bulla

 
 
 

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